Oscar P. Machado
edição 3
Para puxar a perna, desequilibra e reequilibra o corpo, num balé descompassado, sem harmonia ou graça, sem leveza e sutileza, com súbitos jogos de quadril. Pelo peso da perna e à falta de fibra e força do músculo, estica os nervos do pescoço, que, como se presos no lábio, repuxam o canto da boca a cada volta de sua valsa singular. Chega até a esquina, faz a curva e enfrenta o sol cegante abaixando a cabeça, pois ao mancar pela vida aprendeu humildade, e anda reto com passo torto.
Quer esquecer o passado, mas o corretivo apenas cobre, não apaga a palavra errada. Sobre ele tenta escrever uma palavra nova, que nem sempre sai perfeita, desprende uma lasca da pintura, revelando o traço de uma letra que o leitor não sabe qual é, e por temor do signo desconhecido, se afasta do escritor remido. Pelos anos passados debaixo da tinta branca, levou mais tempo para chegar até a esquina onde faz a curva, mas encara o sol erguendo os olhos, pois ao dar mancada pela vida aprendeu amor-próprio, necessário para se permitir buscar fazer o certo onde havia o errado, e anda reto com passado torto.
Sem puxar nenhuma perna (talvez carregando somente uma baixa estatura; uma tendinite e um pouco de tenossinovite; uma dermatite seborreica; um joelho que dói quando chove; ah! e uma falta de unhas nos dedos mínimos dos pés) e sem arrastar nenhum peso do passado que tenho até agora (talvez carregando somente ter sido gordinho até os doze, não, treze anos; ter bebido demais uma, duas, três, mas não mais do que quatro vezes; e ter brigado com um amigo), ao me aproximar da esquina onde se insinua em raios o sol, tendo de um lado o manco do passo e do outro o manco do passado, ao fazer a curva, nada extrema, de um caminho (espero) longe do extremo, quem sabe possa abaixar mais a cabeça, erguer mais os olhos, enxergar mais longe.
(das crônicas da infância da minha maturidade - Curitiba, 10/07/07)
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