Crime e Castigo

Oscar P. Machado
edição 2

Quando meu crime foi puxar a toalha e derrubar a mesa, toda arrumada, posta e ainda intocada para o café da manhã, meu castigo foram umas boas palmadas. Sim, pois a linguagem tinha que ser um pouco mais elementar para quem há poucos anos exclamava fome com choro, susto com um trovão numa noite chuvosa com choro, perder a chupeta com choro, e bradava a necessidade da troca das fraldas, adivinhem? com choro.

Quando meu crime foi pegar “emprestado para sempre” algumas frutas do terreno do vizinho, meu castigo foi um puxão de orelhas. Um, não, dois. Um físico e um moral. Sim, pois quem indagava tantos porquês, tendo sempre resposta, poderia entender porque não deveria ter feito o que fez, ou porque deveria ter agido diferentemente.

Quando meu crime foi ter voltado para casa, com um sorriso indisfarçável, escapando pelo canto da boca, às nove da manhã, sem avisar onde fora, onde estava, tendo saído às nove da noite, meu castigo foi ter que enfrentar um olhar reprovador, de desalento, de desencanto, ver sangrar, ferida, a esperança de um viver sob a sombra dos valores e ensinamentos paternos, ter que ler a pergunta não dita, mas escrita, nítida e muito claramente, em seus olhos: será que não aprendeu, ou eu é que não soube ensinar?

De toda forma, a toda falta correspondia uma punição. O incremento da preocupação – pois preocupação existe sempre – era a medida, a razão, dava o grau da punição. O incremento da preocupação tinha como resultado imediato e necessário a transformação do carinho em beliscão, do incentivo em desaprovação, do bem-querer em mal-tratar.

Desde o primeiro ou segundo crime, praticado por imprudência ou acidente, esclareça-se, nunca quis ser delinqüente. Mesmo que não fosse pesada a pena; mesmo que não fosse difícil resistir e suportar a punição; mesmo que escapasse à admoestação, por anistia, graça ou perdão, ou por correr mais rápido que alcança a vara de marmelo, ou por ser mais destro do que quem arremessa o chinelo; nunca busquei a vida criminosa, não para não enfrentar o castigo, mas para evitar aos bem-amados o castigar.

(Das crônicas da infância da minha maturidade – Curitiba, 30/04/07 – 23:22h)

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