A Minha Dúvida como Escritor

Mariel Francisco dos Reis
edição 9

A releitura de meus contos me constrange. Porque é outro o escritor que ali está, não sou mais eu, mas algum reflexo de mim mesmo congelado sob aquela ótica, naquelas linhas, coberto por inteiro por todas as frases escritas, protegido do frio dessa existência que acena somente para nossa extinção. É um escritor que reluta, não quer desaparecer e sente uma insegurança sobre os juízos que faz sobre as coisas, porque a realidade é movediça – como o nosso interior – onde muitas coisas estão mergulhadas, em uma grande sopa cósmica da qual resultará, isto com sorte, acertos sobre o mundo – aquele que se subscreve através de suas linhas – este interior abissal de onde o escritor se mira perplexo e não se vê.

É outro o escritor – mal conversamos quando passamos um pelo outro pelos corredores dessa escrita; eu sigo, sombrio, desconfiado, lendo o que este escreveu sem muita convicção de que aquilo um dia forme um todo coerente, um muro com tijolos sólidos para a proteção do individuo feito de verbo e sombra. Por que não consigo acreditar naquilo que escrevi, que escritor segurava as minhas mãos para enfileirar aquelas bobagens, a eternidade se entregará aquele escritor? As minhas dúvidas persistem sobre o caráter de permanência dos escritos, isto se intensifica quando leio os grandes autores, penso na minha pequenez diante de textos consagrados – tento enxergar naquilo que escrevo o lampejo e não acontece. Isto me angustia.

Às vezes me assalta a vontade de abandonar a escrita. Toda a sua dificuldade, percalços, conspirações e dor. Porque a literatura provoca nos seus praticantes momentos dolorosos de auto-critica, angústias e inusitada euforia quando se consegue uma boa frase ou um parágrafo razoável em que se espelhe a idéia que se queria representar. Por que não abandono a literatura? A razão não está clara dentro de mim para que a resposta se mostre com nitidez. Talvez a minha necessidade em dialogar com o mundo, compreendê-lo à minha forma, simplificá-lo em sua brutalidade. A vontade é constante, porque não sinto que haja um caminho – que todo desejo de eternidade, mesmo através da sublimação na arte, é um subterfúgio para se afastar da morte – é uma máscara nova para nossa covardia. A covardia em consentir na construção de um sentido para a vida e para nós mesmos.

A releitura dos meus contos me constrange. Não porque sejam ruins – e não o são. Mas porque insistem em fixar em algum lugar um oásis para a minha fuga, consagrando ao meu escapismo um glamour e diferença dos que se matam calados, sem ter escrito uma única linha, sem mesmo a preocupação do bilhete suicida.

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