Diário de um leitor

Anderson Fonseca
edição 11

A Beleza, a simplicidade, o refinamento... instrumentos de um poeta
(Diário de um leitor) - Ensaio

Data 12/05/08

Ás vezes a simplicidade oculta contextualizações mais complexas que as divagações do olhar podem oferecer, Shakespeare era simples em seus diálogos, entretanto, tais diálogos obscureciam uma forma complexa de pensamento sobre a natureza humana, de certo modo a simplicidade da escrita de certos poetas me assusta, não pelo modo, mas pela forma, que por sua construção me encanta por carregar em si um poder de sensibilidade entusiástica, embora as vezes melancólica, lembro-me de Manuel Bandeira com suas palavras ondulando em minha alma como a música de Bach, em certos tempos a confissão mais profunda e verdadeira que de St. Agostinho na clareza dos sentimentos eleva-me como o violino, o que então traz a vida Fernando Pessoa, ou a batalha de dois verões: o poeta x o poeta (ele mesmo), liberta a estrutura real e abstrata do cerne do ser do poeta, o que choca, o que encanta, o que permanece.

Data 16/05/08

Estou sem voz, sinto uma náusea, um engasgo... estou lendo “todas as vozes cantam” de Leandro Jardim, a náusea provém do fato de que o poeta quebra-me, me desarmoniza, com sua subjetividade, linhas de confronto entre o anseio (como possibilidade) e o real (como ato) do Belo poético, há uma inquietação na sua ‘voz’...
interpreto a inquietação do poeta como a manifestação de um existencialismo sartriano transposto para o elevado poético, ou seja, o poeta busca a poesia como a realização da precedência do existir(a manifestação do indivíduo e sua liberdade e logo seu ser) ao essencial (o suposto ‘metafísico’).

A inquietação, fonte de angústia, foco melancólico, é em Leandro um ponto de assimetria entre ele e um outro; a assimetria em matemática é uma quebra de imagem entre os elementos representantes da simetria a+ b= c, o que seria a + b= e, embora havendo a mesma relação somática, o resultado é o contraste com o primeiro teorema, uma matriz tem potencialidades assimétricas extraordinárias, portanto, a assimetria seria um ponto de origem de ruptura de Leandro com a imagem (ou teorema canônico) do mundo, a partir de si como ser assimétrico recriando-se como poeta que absorve o mundo e o transforma nas relações semânticas internas de construção e elaboração do sujeito poético e seu objeto (o poema).

Data 20/05/08

Estive lendo hoje “Joaninhas de Copacabana” , me debrucei sobre a página e imaginei o poema, lembrei-me de que em minha vida vi poucas joaninhas, lembro que as que vi tinham uma pigmentação vermelha, ou alaranjada, com pequenas células escuras espalhadas pelas asinhas muito semelhante a pequenos morangos. o poeta transmite essa beleza singela e natural numa paisagem urbana, contrastando dois aspectos ( símbolos) para criar um cenário melancólico encantador.

Data 06/06/08

Procuro uma palavra para definir o poeta e sua poesia, mas sinto uma expressão ausente na minha própria voz, é que fico a contemplar sua forma e a forma me contamina, um vírus que dilacera meus sentidos, no fim de cada poema um imenso vazio se acomoda no meu espirito, a razão: fome pelo lirismo assustador na sua singeleza e a presença de uma dúvida continua e fluente, de que algo, uma alma – a do poeta, e sua intenção/intuição pura e autêntica está velado na claridade do poema; quem é o poema de Leandro? a incógnita perdura e me incomoda.

Data 08/06/08

Estou sentindo a dor deste poeta nas suas partituras, estou ouvindo seu lamento mais profundo e orgânico, as vezes apiedo-me dele, mas esta sua angustia não é a dele, creio que seja a minha, creio que escuto nele o meu lamento e tenho piedade... de mim.

13:02 hs

Algo de Belo a dizer

“Quero a poesia
por querer
algo de belo a dizer.

Algo de belo porque
não me bastam castelos,
palavras,
nem só o perfeito é o que quero.
Me toca o que é vivo.
Quero a poesia
do sublime e do humano em convívio.

Algo a dizer é o que espero.
Não desperdiço os sentidos,
palavras,
nem me alimenta o que é vago.
Me embala o que sinto.
Vago pela poesia
porque é mina do belo e garimpo.”

O Belo que impulsiona o movimento da alma romântica, retorno cíclico do platonismo, é a razão substancial da poesia de Leandro, m as o poeta desmetafisica o Belo e o encarna na forma do homem (urbanóide em caos psíquico), o belo converte-se no sentimento, mas este não é a mensagem central do poeta, antes ele declara : “algo a dizer é o que espero”, e porque ele isto diz? Trata-se de uma critica a poesia contemporânea que cada vez torna-se mais vaga de conteúdo significativo não oferecendo nada ao leitor e ao homem, mas apenas uma poesia vazia, vazia e cada vez mais vazia,... A declaração do poeta não apenas é uma confissão apaixonada, mas, sobretudo, a demonstração da verdadeira razão poética “algo a dizer”, sendo esta sua paixão, entendo que a razão do seu incômodo mais intimo seja a falta que percorre a artéria poética atual.

Dia 12/06/08

O urbano me choca, o fluir de fractais na avenida Rio Branco, as luzes espalhadas em milhares de rostos, uma cortina de fumaça de cigarro e monóxido de carbono, o som do mar nos pneus de carros atritando-se com o chão negro da avenida, eu a buscar uma imagem conciliatória entre mim e o mundo, os pés chocando-se com o frio da terra e o corpo a mover-se no calor do ar, a principio estranhei o mundo de caos e torres de ferro, mas depois fui me apaixonando e percebendo que era ali, aqui, o meu lugar de vida e poesia, foi assim que me senti ao relembrar as frases do poeta: “Sou filho mesmo dessa urbanidade./ Fruto, solo e adubo./ A desaceleração reveladora me abre por olhos novos./ E é a filha da correria./ Minha natureza é a natureza que é minha”. não posso negar a cidade no meu corpo, na minha alma, hoje, a poesia dos que nascem na cidade, ou emigraram para ela, deve ser ela, sei que não deveria afirmar como um dogma ou uma ideologia, e nem se trata de tal ponto, mas antes dizer que a cidade é o organismo vivo onde existe o homem e absorve-la e a converter na meditação do poema é entranhar-se no coração que a transforma e a mantêm viva, e antes sustentar-se no seu corpo. aos que dizem uma poesia saudosista do interior, ou que se contrasta com a cidade (algo que me lembra Drummond) deixo meu lamento, exalto os que ousam ser a cidade e dela fazer sua natureza, foi assim com Rimbaud e com Roberto Piva.

30/06/08

Será o poema um diálogo de vozes, a voz do poeta com a voz do mundo e a voz do leitor? Leandro não afirma, sugere apenas, ou melhor, insinua tal idéia no poema Alheio, diz: “ E o que era antes, se não pensamentos resultantes de uma vida de diálogos?” No poema anterior Trilogia: Palavra, Poeta, Poesia, o autor separa como um método, conceito, ao mesmo tempo que um objetivo, ironizando o estado da atual poesia, o ato poético e suas inter-relações constitutivas do poema, assim: “Palavra... me diga alguma coisa/ Poema... não me chegue tão embaçado/ Poeta ... não subestime o significado.” Porém, Jardim, não somente critica a poesia contemporânea, ele apresenta um outro caminho através de seus poemas que se aproximam da voz do leitor, ele apresenta a simplicidade da voz e a polissemia dos sentidos que não se esgotam no refinamento da palavra, ele torna o poema um mero dizer.

“Poesia é o pigarro na garganta da alma.
Poesia é a liberdade a que me agarro quando falta calma.
Poesia é minha carta de amor e minha arma.
Minha poesia se arma de paixão e trauma.

Pensamento é caminho, é labirinto, é moinho de vento.
E o quanto varia em paz e tormento angustia.
Ora sento triste, ora sinto que um dia.
E me invento sozinho pra fazer poesia.”
(Por uma vida com Rimas - Leandro Jardim).

No poema O Letrista Novo, o poeta diz: “o que faço não é poesia, pois tem melodia, harmonia e compasso”. Mergulhando nestas três palavras associo-as ao poema Trilogia: Palavra, Poeta, Poesia e concluo antecipadamente que a melodia esta para a palavra, a harmonia para a poesia e o compasso para o poeta, assim o poema é uma composição musical refinada em que o tom de voz do poeta afina-se aos ouvidos do anti-natural (o urbano) onde está seu leitor, buscando a letra simples, leve como pluma, que quede bem aos sentidos, refinada e polissêmica, dotada de uma beleza melódica.

O livro Todas as vozes cantam é um belo arranjo musical, porque tantas melodias se encontram que encanta os ouvidos e os olhos, e na minha opinião de leitor este é um livro que vale a pena ser lido, pois é em si um livro gostoso, suave, não esgota a inteligência do leitor, apresenta-nos a que veio à palavra, isto é, o que ela tem a dizer, é um livro que diz e somente, e é de uma beleza singela encantadora, quem se arriscar não estará se arriscando estará acertando na escolha.

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