Testamento

Tiago Vieira Perretto
edição 6

Fiz-me de tijolos cozidos pela dor na lúgubre olaria do passado, traçando minha história em suas paredes enegrecidas. A argila rubra – carmim como as pontas dos espinhos, pintadas assim pelo sangue que, em mim, não há mais – de meu ser endureceu junto ao coração, padecendo pelo ardor que não mais queima na tepidez da memória. Sequei sob o sol – brilhou? Oh, sim, mas pouco, tão pouco – as decepções de uma vida que arderam demais; e acabei por rachar em nada além do que fragmentos de esperanças: caíram, sim, por último; no entanto vieram por terra, carbonizadas, voltando às entranhas que lhes expeliram, porém não lhes ensinaram a andar.

Meus restos soezes, dispersos em montículos de ruínas, que o tempo arrasta sem dolência, levando-os para além do véu diáfano, além da bruma úmida de lágrimas – que por mim não se condoem – e túrgida de lamentos dissimulados, além da Luz, mas não para ela. Além. Enquanto o presente plange pelas mágoas que abandonei àqueles que, por mim, verteram apenas insultos.

A mim seguirá o esquecimento – lesto para vir, eterno ao assentar-se; encontrará, no entanto, resistência no rancor para erigir sua morada. E nada sobrará afora uns poucos tijolos partidos, que as sarças cobrirão.

Isso porque, afinal, deixo a todos somente meus sentimentos.

Sepultura melhor eu não poderia esperar.

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