Sem fôlego ou sufocado amor

Flávio Mello
edição 6

Deixe que eu me explique, nem tudo no mundo é só de dor (ou sórdido), ou apenas, solidão, dá-me espaço, preciso respirar, abre aquela janela e deixe o vento entrar, olhe bem nos meus olhos, olhe por eles enquanto eu te olho, deixe que eu respire através dos espelhos, e que as cortinas cerrem nossas agonias. Deixe-me entreaberto, peito, nuca, lábio, beiço, dê-me dentes, dentes de cerra a cortar-me em dois, dividir assim meu amor em dois, ou mais, quem sabe, quem pode, olhe enquanto eu devoro, a cabeça do louva-deus, louvando o seu corpo tão belo, borboleta metamorfoseada em arco-íris. Deixe-me abrir minhas asas e saltar os edifícios, carregá-las nas minhas largas costas de cavalo marinho, deixa-me ser sua bandeira, tremular no seu horizonte, significar seu orgulho, ser seu sorriso, deixa-me vê-la transpirar sobre o acolchoado, ser seu suor e soar em seu ouvido meu sibilar tão rouxinol, ao ponto de uirapuru desmaiar, deixe-me traduzir em seu louvor as orações árabes, recitar em seus pés os tantras mais suaves, acender incensos, ascender sua alma, decolar seu seio e sorver seu leite. Deixe-me ser o que não posso ser, mas que desejo e espero acontecer, deixe que eu sofra, mesmo que um instante, e que as sangrias eliminem febre, angustia, horror, solidão e tudo aquilo que é diferente de você.

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