Refrigereco Levis

Mário Mariones
edição 11

Refrigereco Lévis está sóbrio. Deitado de barriga pra cima na cama, procura sua palavra. “MORTO”. Não, essa, não. Essa cai bem pra sua segunda esposa esvaziar na hora do almoço, a evangélica Candiara. Fora embora o mês passado, passada de tanta falta de cacete e emoção. Refrigereco Lévis chorou dois dias, depois não ligou mais. Não sente saudade. Apenas busca a palavra. “MORTO”. Essa não, porra. Ganhara esse apelido, “MMMMMORTO!” certa vez no antigo serviço, de tanto babar cansadão na praça – Refrigereco Lévis era o carteiro mais desengonçado de Cordeirópolis.

Na tevê ligada pugilistas e atores canastrões. Acendendo o baseado, Refrigereco Lévis começa a trafegar por outras vias. Agora são palavras cobertas de ovos podres: interessante soluço lipoaspiração calejado irritado melancia. Seja como for, Refrigero Lévis desliga a tevê. Boceja copiosamente. Quando salta da cama, descobre o milagre.

Da vida optou ser o lado mais brejeiro do oceano, das roupas vazias usaria as mais baratas – no mais, ele entrega-se a acessos regulares de melancolia. Não quer trabalhar. Fez um bico digitando um trabalho pra Ritinha. Muito pouco pra um caboclo de 31 anos, morando sozinho na casa herdada dos pais. Coça o saco, esquece Ritinha, retoma a melancolia a molde de ferro úmido. Os olhos então passam por uma palavra em uma velha revista pornô esticada no tapete: pistola. É isso. Na gaveta do criado-mudo. Refrigéreco Levis apaga a luz, acende o milagre. Ninguém na América ligaria para mais um homem sem passado.

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