Augusta anônima

Daniela Porto
edição 11

Caminhando pela rua que tem seu nome, Augusta, segue para mais um dia de trabalho.
Ela vem de longe e seus 45 anos parece que também vem de um passado distante, muito distante.

Se sente pesada e passada, mais uma transeunte nessa rua consumidora de vidas e ícones.

Augusta, um dia desses qualquer, absorvida pelos pensamentos, como se estivesse com a cabeça na lua tropeça e esbarra numa senhora que voltava da feira. Essa senhora lhe pede desculpas e com gentileza à chama de moça bonita. Faz tempo que ela não se sentia gente e sobre a beleza ela não se lembrava do dia em que se viu no espelho pela última vez.
12h30min - ela chega no "Night Club", boate ontem fazia faxina há três anos e oito meses, de quarta à segunda, tinha as terças-feiras como dia de folga. Entrou e sentiu vontade de cumprimentar o gerente do estabelecimento [mas hesitou], porque, isso não era de seu feitio. Mas, aquelas desculpas da boa senhora lhe fizeram se sentir menos anônima, menos fantasma. Era assim que ela havia se sentido nos últimos tempos, desde a separação do Evaldo que a trocou por uma meninota, com o estilo das meninas da boate.

Depois da separação precisou se virar, ganhar um dinheiro extra e descolou com Luzia, sua vizinha de pensão, esse bico de tarde. Chegava na hora do almoço e saia ás 16hs, tirando um valor bem maior que trabalhando em casas de família. Não falava com ninguém, só cumpria sua obrigação e voltava para casa. Como sua família era o mesmo que nada [lhe negando acolhida até mesmo no momento da separação] e havia desistido do amor de vez, não teria problema nenhum em trabalhar nesse tipo de lugar. Ela era de pouca conversa e quando alguém sabia sobre sua profissão, seca ela respondia _ “ninguém paga minhas contas".

[Nesse dia]

Limpou toda a boate com raiva, não sabendo o porquê nesta tarde lembrará tanto do ex-marido e o lugar lhe deu raiva. Lembrava da cara das moças da casa e se sentiu com inveja. De toda a limpeza deixou por último o banheiro e ao limpá-lo, Augusta, notou o espelho fazia anos que não se olhava, que não se enxergava... Segurando um pano encardido, se aproximou e no fundo da tristeza que abalará seus olhos, percebeu que era mulher. Sorriu, mas sorriu com dor, tocou sua face e uma lágrima escorreu. Ficou assim hipnotizada por minutos, até um barulho na porta ecoar pelo banheiro e fazê-la voltar, desse mundo distante onde se encontrava [íntimo de Augusta]. Pegou seu material de trabalho, saiu correndo, trocou a roupa de guerra pela roupa do mundo. Passou pelo gerente, abriu um largo sorriso, se despediu, sumiu pela Augusta agitada pelo horário de pico e nunca mais foi vista.

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