Amargo Café

Juliana Fontes
edição 7

O gosto amargo do café lhe trazia infindáveis recordações. A xícara, amarelada de tão velha pelo excessivo uso, estava trincada. Fitava a velha xícara, enquanto sentava em sua cadeira de palha roída pelas traças. Tudo em seu apartamento era velho, assim como ela. Acendeu o cigarro, deu uma tragada, pigarreou. A saúde não era a mesma. Lembrou de quando era uma quase estrela do teatro curitibano. Bailes, festas, pessoas da alta sociedade, coquetéis, tudo fazia parte de seu mundo. A carreira acabou quando Carlão, o diretor da peça, arrumou outra Suzete, a protagonista. Não adiantou nem se humilhar e ir falar com a mulher do Carlão, praticamente assumindo ter sido amante de seu marido. Ele a ameaçou de morte e sua brilhante carreira durou apenas 4 meses e 3 dias. A cortina se fechou, a luz se apagou e sua vida se abrandou. Agora era apenas uma solitária senhora.

Toda tarde o mesmo ritual se repetia. Assistia a sessão da tarde, fazia o café, acendia o cigarro, encostava sua cadeira de palha na pequena sacada do antigo prédio e ficava observando a movimentação da rua. Essa era a única movimentação que podia fazer parte de sua solitária vida. Nem que fosse apenas por algumas horas, se sentia como as pessoas que via transitar em uma das mais movimentadas ruas da cidade. Podia se imaginar como aquela linda mulher, de uns 25 anos, sempre arrumada que passava por sua sacada pontualmente às 18h15. Imaginava como era a vida daquela jovem. Certamente tinha um namorado. Provavelmente trabalhava em um grande escritório, pois sempre conservava o cabelo preso, sem nem um fio fora do lugar. Enquanto reparava na beleza do cabelo da jovem, passava a mão pelas suas madeixas, ralas, brancas, sem brilho. Sinais que o tempo fez questão de deixar. Às 18h30 era hora do apressado senhor de bigode passar. Baixo, calvo, ostentava uma barriga maior que a camisa que usava. O botão da desgastada camisa de linho, de listras verticais quase não fechavam. Lutavam com a enorme pança, para ver quem ganhava a briga: a pança ou o botão. Ela acreditava que este senhor deveria ser um vendedor, pois estava sempre carregado de bolsas e sempre correndo mais que suas curtas pernas poderiam agüentar. Mas, certamente, seu transeunte favorito era o das 19 horas. Uma figura ímpar na frieza da cidade. Seu semblante contrastava com tudo à sua volta. As pessoas sisudas, nem reparavam no sorriso do jovem, ou se reparavam se incomodavam, achavam aquilo uma afronta. Certa vez um senhor tirou satisfação com o moço: - Está rindo da minha cara filho? A resposta foi: Tenha um bom dia meu senhor! A partir desse dia virou a maior admiradora do rapaz. Ele deveria ter no máximo 28 anos. Sempre estava com uma calça xadrez e uma camisa alaranjada. Aparentava não se importar com o visual ou com os padrões da sociedade. Em uma de suas teorias ela se convenceu de que o rapaz era hippie. Só podia ser, era muito diferente. Pensava como alguém poderia sempre estar tão bem humorado. Pensou se realmente ele era feliz e pensou mais ainda tentando descobrir se a felicidade realmente existe. Lembrou de um anúncio de refrigerante, onde o slogan dizia que a verdadeira felicidade está em aproveitar os pequenos momentos. Uma vez tentou, mas tomar o refrigerante não a deixou feliz, passou a tomar pinga.

Fora os personagens conhecidos, transitavam também diversos anônimos, que só faziam aquele caminho uma vez por outra, esporadicamente. Ia anoitecendo, a rua ia esvaziando e voltava a se sentir sozinha. Preparou mais um café, amargo como sempre, fumou mais um cigarro e foi se deitar. Realmente não era assim que imaginava terminar seus dias.

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